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A VOZ DO POVO NUNCA FOI A VOZ DE DEUS

     Quem quer que tenha sido o autor desse ditado: “A voz do povo é a voz de Deus”, foi muito infeliz e imaturo, além de pintar a imagem de uma pobre soberania divina, pois se esqueceu de desvinculá-lo do âmbito cultural.
     É bem verdade que o povo clama por justiça, respeito, dignidade, fraternidade, paz, amor, termos estes que fazem parte da essência de Deus, de Seu caráter santo, mas quando o assunto é arte, destoa de tal afirmação. O Criador de todas as coisas também é o distribuidor de dons e talentos, tendo presenteado os seres humanos com inúmeras capacidades intelectuais ao longo de toda a evolução histórica: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), por exemplo, o genial compositor austríaco, com seu poderoso talento e expressão versátil, um verdadeiro prodígio, iniciando sua carreira de pianista aos quatro anos de idade e aos seis, realizando sua primeira turnê pela Europa, sendo admirado e aplaudido por todas as classes sociais, foi agraciado pela generosidade do “Divino Maestro”; o carioca Machado de Assis (1839-1908), dramaturgo, poeta, crítico, ensaísta, cronista e romancista, foi um dos maiores prosadores de todos os tempos, deixando obras que se perpetuam ao longo dos anos, tomando posse de um dom também deixado por Deus; Tom Jobim (1927-1994) foi um dos nomes que melhor representaram a música brasileira na segunda metade do século XX. Pianista, compositor, cantor, arranjador, violonista às vezes, praticamente uma unanimidade quando se pensa em qualidade e sofisticação musical, aprendendo bem a lição do “Justo Compositor”. Todas essas geniais personalidades foram escolhidas para exercerem um papel fundamental na história das artes, mas não foram reconhecidas pela maioria das pessoas como realmente mereciam ser. Já a crítica é unânime em valorizar esses mestres culturais. Conclui-se que o “bom” e o “belo” independem da vontade do povo.
     Se esse ridículo ditado fosse sinônimo de verdade absoluta, estaríamos perdidos e fracassados. Analise: Amado Batista é um dos cantores que mais vendem discos no Brasil; os livros esotéricos do escritor Paulo Coelho são extremamente requisitados pelo povo e muito mais valorizados que as maravilhosas obras de Guimarães Rosa; os atores Sylvester Stallone, Jean Claude Van Damme, Steven Seagal e Arnold Schwarzenegger que, rindo, chorando ou com dor de barriga possuem a mesma expressão rala, têm a preferência de público, enquanto as belíssimas películas do italiano Federico Fellini permanecem empoeiradas nas prateleiras das locadoras; a onda do funk carioca já arrecadou mais dinheiro que as obras clássicas de Heitor Villa-Lobos; as canções imbecis do Calypso ou de qualquer outro “forrozeiro” já superaram, em termos de vendagem, as inventividades do “Rei do baião”, o nosso mestre Luiz Gonzaga. E o que Deus tem com isso? Foi Ele o incentivador dessas banalidades generalizadas? Será que todos os Seus poderes foram entregues para serem desperdiçados com bobagens? Será que Ele aprova a atitude estúpida dessa gente e aplaude lá dos céus? Será que toda a Sua riqueza espiritual está em conformidade com esses modismos esdrúxulos ou será que Ele não se importa em ver aqueles que foram feitos a Sua imagem e semelhança serem escravizados pela falta de cultura? É óbvio que não!
     Por favor, deixem Deus de fora da jogada, assumam toda a culpa. Ele não compartilha dessas futilidades. Seu projeto foi perfeito, mas pervertido por Suas desobedientes criaturas.
     Sua voz continua a ecoar pela eternidade, sempre em busca de alguém que saiba fazer valer todo Seu esforço criativo. Talvez algum dia esse ditado possa se tornar realidade, enquanto isso, melhor escorar em Sua misericórdia.

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