Pular para o conteúdo principal

PRA QUEM SABE OUVIR

     Há um disco excepcional do compositor, Edu Lobo, cujo título é “Corrupião”, lançado em 1994, pelo selo Velas. Na capa, o pássaro está pousado sobre a cadeira onde se encontra o artista. Trata-se de uma das aves mais lindas e de voz mais melodiosa deste continente, comum em áreas da caatinga e zonas secas abertas, onde pousa em cactáceas, e também em bordas de florestas e clareiras, nos locais mais úmidos. Vive aos pares. Não costuma acompanhar bandos mistos de aves.
     Nas composições, Além de Edu, Aldir Blanc e Chico Buarque completam o naipe de mestres. Já os músicos, Nico Assumpção, Jurim Moreira, Marcio Montarroyos, Gilson Peranzetta, Paulo Bellinati, Teco Cardoso, Mauro Senise, Mauricio Einhorn, Serginho trombone e Marcos Suzano formam o restante da equipe de craques, tornando essa obra antológica.
     Uma das faixas tem o título de “Ave rara”. Assim são esses artistas, como o corrupião. Poucas pessoas são capazes de ter a sensibilidade para admirar seu canto. Para os ignorantes, a raridade torna-se em trivialidade, como o canto choco e uníssono do pardal. Na vida não é diferente, os mais sensíveis também fogem à regra, estão praticamente em extinção, não podem ser vistos em qualquer árvore, muro caiado ou balaústre.
     Por isso, Edu está sorridente na capa do disco. Ele também é uma espécie de corrupião. Os corrupiões se entendem. O autor e os poucos privilegiados nesta vida são capazes de emitir o som divino que carregam. Assim sou eu.
     Minha esposa, Carina, foi capaz de ouvir esse lamento, esse choro. Daí surgiu seu lindo poema “O canto do pássaro” que faço questão de postar aqui:

As aves cantam por causa de seu bom estado de ânimo
cantam para chamar, conquistar e alertar
elas cantam quando estão tristes
porém nunca deixam de cantar
na calada de uma madrugada
lá estão elas , cantando por algo
seus sons ultrapassam limites e chegam aos nossos ouvidos
parecendo sempre a mesma sonoridade de todos os dias
mas não é.

A comparação da ave com você é óbvia
você canta todos os dias
canta na alegria e na tristeza
na conquista, na luta e na pobreza
ninguém sabe seus momentos reais de dor
ninguém  sabe o que está acontecendo
e todos confundem o seu canto
achando ser o mesmo de todos os dias
mas não é.

A única realidade
você só quer pedir socorro com um belo cantar
pedir ajuda cantando desesperadamente
o cantar também é para se defender
é para assustar o inimigo
espantar a tristeza
como  faz o pássaro
emitindo vários sons na natureza.

O pássaro é lindo e indefeso e só sabe cantar
fala não é típica de sua essência
também passa por apuros
por isso emite o mais belo som
como tentativa de fuga para o esquecimento
mas sua beleza, sua pureza o tornam inesquecível
sempre terá alguém de olho em tal raridade
que não faz mal a ninguém
e quando quer se defender
solta o mais lindo som como pedido de socorro
e todos pensam mais uma vez que está tudo bem.

Assim é com você
sua beleza, sua pureza o tornaram inesquecível
sempre haverá pessoas de olho nas raridades de Deus
e quando você se defende solta outro canto
para quem não sabe lhe escutar
pensa que está tudo bem
mas não é assim.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

MATANDO O FRANGO

     O Criador absoluto de todas as coisas, em sua infinita misericórdia, resolveu se revelar ao homem através da morte e ressurreição do seu filho amado, Jesus Cristo, bem como manifestando a sua vontade evidenciada na Bíblia, mas também tem usado homens e mulheres como canais de bênçãos sobre a terra.  Assim ele o fez quando permitiu que alguém me trouxesse uma realidade tão evidente, porém em uma frase aparentemente tosca e rudimentar: “Você precisa matar o frango”. Tal expressão ficou martelando meus neurônios durante dias e a compreensão exata dessa comparação trouxe um ensinamento valioso que precisa ser colocado em prática, mas não é tão simples assim.       No Evangelho de João, capítulo 3, versículo 3, há um processo que desencadeia a libertação, isso acontece quando alguém entende que está terminantemente perdido, enlaçado nas tramas do pecado, gerando arrependimento por tais práticas, trazendo o entendimento...

Sapiência sobejante

      Aboletou-se em meio a uma roda de conversas esparsas e sapecou à queima roupa seu falatório pomposo:      - Disso eu conheço bem, sou cientista, não sei se sabem?!      Dois deles encolheram os ombros, numa mescla de assombro e desorientação, sendo ligeiramente alertados pelos demais:      - Esse é seu Ícaro, o cabra mais sabido da região. Ícaro não sei das quantas... (destrinchou o prenome, sobrenome,  comprido que só o diacho, porque cientista que é cientista deve ostentar pelo menos meio metro de escrivinhatura, firmada na força da proparoxítona exigida na pronúncia).      Tomou conta da roda e palestrou com os holofotes acesos em pleno meio-dia.       Seu Ícaro era um outdoor ambulante, espalhafatoso, emblemático, rotava sua reluzência por onde passava e sua ignorância nata assumia ares de elegância, vestia-se de uma sabedoria pelega e brilhava sua ostentação fajuta.   ...

Policarpo

     Hoje o Policarpo me deu o ar de sua graça, mas de seu xará literário, o Quaresma, não tem nada de quixotesco, ostenta apenas o ofício de ceder sua monta. O baita reconheceu logo minha hesitação em desconfiar de sua submissão, mesmo assim apenas murchou as orelhas pardas e partiu a dividir comigo seu mundo.      Marcelo, Ilto e Almiro iam troteando à frente; e enquanto meu companheiro cumpria sua tarefa árdua naquelas veredas, estupefato o admirava pela resiliência em suportar o montador e as pedras que fustigavam seus cascos. Na sela não iam apenas o peso do corpo, as lembranças de meu pai, a saudade de minha mãe, mescladas à alegria de contemplar todo cenário que guarneceria minha família, vinham na garupa, mas o animal não reclamava, seguia firme sua jornada.      No trajeto de volta, em meio à chuva que regia a estreia da aventura, já acostumado com a lida, abocanhou a forrageira, ouviu minhas orações e pareceu ter compreendido o tal ...