Enquanto
a cidade, adormecida há muito tempo, arrastava seu sono morrinhento, meu
espírito inquieto buscava a companhia dos acordes dissonantes para fazer uma viagem, sem
sair da cama, rompendo madrugada adentro.
Por algumas
horas vislumbrei o Rio de Janeiro, nas canções de Tom, Chico e Ivan; fervi
sem sombrinha no frevo de Edu; os pés, salpicados de suor, roçaram a
apoteose do samba, ao som de Leny, Djavan e Paulinho; os quadris
cediam ao remelexo dos baiões e xotes que saiam da sanfona de Sivuca; o violão
de Dori, soava manso, mesclado à voz de Nana; Joyce e Donato temperavam com salsa e bossa; as notas tronchas do jazz
esticavam ainda mais a vontade de permanecer ali, refugiado nos aposentos da música.
Sou
notívago por natureza. Desde a mais tenra idade já flertava com a noite. Era exatamente
nesse horário que meu corpo, tomado por uma energia produtiva, lecionava, lia, escrevia, assistia aos inúmeros filmes, biritava, petiscava e percorria os bares
da cidade morena que desencadeavam uma série de canções da boa safra brasileira. Tudo isso me
causava um extremo fascínio. A mente insiste em contradizer a rota normal da maioria
dos viventes e ressalta que o dia foi feito para dormir e descansar.
Agora,
em solo rondoniense, o deleite pelas madrugadas tornou-se uma necessidade. É
tempo de reestruturação, depuração. Momento de calar a boca do sol com a
cortina acetinada da lua e fugir do calor escaldante, afugentando-me no ar
condicionado; de lançar ao vento os processos, boletos e protocolos, de abandonar a mediocridade sonora que me azucrina nas ruas; de
buscar, na pausa do silêncio, o compasso certo para encarar a dureza da rotina; de enclausuramento no hermético mundo distante em que vivo, onde a
arte está emoldurada nas paredes do meu coração, o qual não ouso compartilhar com
ninguém.
Desligo o meu Sony e o sono me convida para dançar a canção derradeira. Estou pronto para o desconcerto do dia seguinte.
Desligo o meu Sony e o sono me convida para dançar a canção derradeira. Estou pronto para o desconcerto do dia seguinte.
É mesmo fascinante acompanhar o desenrolar dos fatos e dos acontecimentos na vida do escritor e poeta Beto. O processo natural do despertar para a verdadeira VIDA, a vida da essência primeira de todos nós, quer seja a da alma ou do espírito, nos deixa muitas vezes intrigados, e porque não dizer atônitos. Foi o que ele deixou transparecer nas entrelinhas do seu escorreito e aprazível artigo.
ResponderExcluirÉ o que da mesma forma percebemos ao estudar a vida dos grandes ícones da arte universal em todos os seus ramos, e de forma muito especial na literatura e na poesia. Assim é na música com Bach, Handel, Mozart, Beethoven, entre muitos outros, na literatura e na poesia com Victor Hugo, Fagundes Varela, Charles Dickens, Fernando Pessoa, William Buttler Yeats, Olavo Bilac, William Blake, e a lista é grande.
O fato é que essa “viagem” de que fala o Beto é uma constante na vida de todos nós. Notívagos de fato somos todos, pois seres espirituais em essência, aqui vivemos presos ao escafandro do corpo físico que é apenas um instrumento da nossa individualidade corpórea, o tão propalado “eu”, todavia, nada mais do que uma pequena parte do nosso verdadeiro SER.
A vida é um constante processo de aprendizado e são muitas as viagens que fazemos. Porém a mais importante de todas é aquela que fazemos para dentro de nós mesmos. Cônscio desta certeza foi Sócrates, o maior filósofo do nosso mundo ocidental, que nos deu o exemplo ao adotar em sua vida o aforismo inscrito no pórtico do Oráculo de Delfos que dizia: “Conhece-te a ti mesmo”.
É necessário que nos debrucemos ao estudo sério, sincero e continuado dessa essência de nós mesmos que somos seres imortais vivendo aqui e ao mesmo tempo num intermúndio. Só assim teremos condições de melhor avaliar essas “viagens” constantes da alma rumo ao conhecimento da VERDADE.
Foi o que certa vez disse, de lá para cá, o grande escritor e crítico literário Humberto de Campos, ele que em vida ironizou a possibilidade do intercâmbio entre este e o outro lado da vida, em mensagem dirigida a outro grande vate das letras e amigo seu, do lado de cá, Agripino Grieco, no seguinte teor:
“A razão do homem, em si mesma, fez o direito convencional, mas fez igualmente o canhão e o prostíbulo. E, sem a fé, sem a compreensão da sua própria alma, estranho às realidades profundas, o homem caminha, às tontas, endeusando todas as energias destruidoras da alegria e da vida.”
Peço vénia ao primo e inspirado poeta por fazer da minha singela e dedicada resenha, nesta doce e congelada manhã, quase um outro artigo. Todavia, o meu exagero é a prova e a expressão maior do meu apreço e admiração por este acelerado vate das letras, no firme desejo de o motivar ainda mais nas expressões candentes de energias que brotam torrencialmente do fundo do seu coração.
Avante Poeta!
Seu primo, seu fã, Tonheiro