Pular para o conteúdo principal

COLORINDO O CORAÇÃO

       Dizem os desinformados que no calendário há “o mês do cachorro louco”, mas tal ditado popular foi desmistificado nessa temporada de 2014, criando outra afirmativa comprovadamente real: agosto é o “mês da amizade louca” e foi justamente nesse período que mais cores vibrantes agregadas na memória pintaram meu coração. Desta feita, a escaldante fornalha Cuiabana ventriculou sua tinta escarlata na trilha dos aventureiros.
      Enquanto Lacerda e o cronista ainda sobrevoavam o céu de Rondônia, o anfitrião Manoel já os aguardava em solo mato-grossense para estreitarem ainda mais os laços parentais e desfrutarem dos momentos de intimidade com a natureza, mantinha-se com um olho whatsappeando e outro preso ao pouso dos primos na pista. Na chácara onde desembarcaram, próxima à Chapada dos Guimarães, as preocupações e demais mazelas rotineiras foram escanchadas na porteira, juntamente com os ardis de uma anta faceira que nos dava as boas vindas. Naquele ambiente paradisíaco, vez ou outra o silêncio cedia seu trono apenas para o canto dos pássaros, o marulho das águas, os acordes das guarânias e wapangos que saiam de um violão vadio e o reinado das frouxas risadas que soltavam a esmo. O frescor das memórias renovavam o compasso da sístole e diástole, enquanto o tempo, com seu pincel mais que preciso, continuava renovando minha memória multicolor.
       Outro inestimável amigo já estava por essas bandas. Mirão encarou mil quilômetros de estrada, sacolejando o esqueleto num busão, só para demonstrar sua parceira e desfrutar de nossa companhia junto a uma inesquecível pescaria, às margens do rio Cuiabá, mais precisamente na Comunidade São José, contando ainda com a ilustre presença de outros parceiros: Sérgio e Fernando.
       - Se quiserem dormir, cada quarto custa 60 conto e mais 70 pra usarem o tablado. Aqui temos de tudo, arroz, peixe, farofa, refrigerante, basta ter dinheiro. Mato tem à vontade para as necessidades fisiológicas e o fósforo é por conta da casa - disse Germano, um velho de nariz avantajado, pitando um restolho de fuminho fedorento, num tom cantado, bem pitoresco ao estilo cuiabano.
       - Sem contar que aqui só não dá peixe, mas é um lugar muito bom pra pescar! – disse um dos aventureiros.
       Depois de se entreolharem e desamarrarem o sorriso que insistia em explodir no canto da boca, em unânime concordância, largaram os pertences por ali mesmo e rumaram rio adentro. Mirão era mais elétrico que os poraquês da Amazônia. Banhava-se, lavava roupas, remava, continuava a cantiga que os ribeirinhos entoavam na outra margem, vistoriava cada um dos seis tablados, cevava, trocava de iscas e linhas, enroscava, fazia de tudo, menos capturar um exemplar, enquanto os demais tostavam ao sol, sonhando com algum dourado desafortunado que resolvesse se entreverar entre os anzóis. Até na hora de dormir Mirão manteve-se aceso, acompanhando os rastros dos cupins que enfestavam o local e trocando de dormitórios, na tentativa frustrante de fuga aos roncos descomunais que mais pareciam motosserras destrambelhadas.
       O retorno para casa aconteceu em grande estilo, numa camionete zero quilômetros, mesclando o cheiro do novo aos cardumes nunca fisgados, enquanto meu coração reluzia feliz, estampando os novos matizes que trazia nas lembranças. Tive a plena certeza de ter restaurado o agosto agourado, que de desvairado não tem nada, a não ser a loucura da verdadeira e perfeita amizade, aquela que não visa nenhum interesse, a não ser o prazer de estar ao lado de quem tanto amamos. 

Comentários

  1. Olha só, Lacerdas juntos, só dá risadas e festas!! Muito bom ficou seu modo de olhar a união :)

    www.chadecalmila.com

    ResponderExcluir
  2. Beleza Beto, voce continua cada vez mais aperfeiçoado nessa arte de criar e escrever. parabens. forte abraço.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Excelso

     Entre uma aula e outra, numa rápida conversa entre professores, a vida me posicionou na carteira de aprendizado e, como aluno, absorvi a lição de casa:      - Meu filho já tem quase dois anos e até hoje dorme em nossa cama – disse um deles, confirmando a tal decisão do casal.        O outro sapecou à queima roupa um tiro certeiro em meu coração:        - O meu dormiu comigo até os sete anos. A Psicologia que se dane, amar demais nunca fez mal a ninguém!      Um átimo de lucidez acertou-me em cheio e o turbilhão de informações tirou-me de cena. Vislumbrei minha mãe em seus benditos excessos: os olhos contemplativos na estrada não cessavam de me esperar e o sono já se esvaía porque o amor protagonizava o momento do reencontro; as preocupações constantes eram despejadas em mim, sem tréguas, avolumadas de um sentimento que me acompanhavam como sombra.      De repente, o primeiro sorriso de minha filha, Clara, aos 2 meses de idade, encurralou-me e atônito não hesitei em crer

MATANDO O FRANGO

     O Criador absoluto de todas as coisas, em sua infinita misericórdia, resolveu se revelar ao homem através da morte e ressurreição do seu filho amado, Jesus Cristo, bem como manifestando a sua vontade evidenciada na Bíblia, mas também tem usado homens e mulheres como canais de bênçãos sobre a terra.  Assim ele o fez quando permitiu que alguém me trouxesse uma realidade tão evidente, porém em uma frase aparentemente tosca e rudimentar: “Você precisa matar o frango”. Tal expressão ficou martelando meus neurônios durante dias e a compreensão exata dessa comparação trouxe um ensinamento valioso que precisa ser colocado em prática, mas não é tão simples assim.       No Evangelho de João, capítulo 3, versículo 3, há um processo que desencadeia a libertação, isso acontece quando alguém entende que está terminantemente perdido, enlaçado nas tramas do pecado, gerando arrependimento por tais práticas, trazendo o entendimento sobre a aceitação da pessoa de Jesus Cristo como libertador de sua

EMBAGRECIDO

Lá pras bandas do Miranda Apoitado na toca da onça Ele passou por mim Entanguido que só Lembrei-me. Desfilou todo entojado Tocando Miles e Morgan O resto dos peixes Embalados pelas ondas do momento Não davam nem as horas. - Num canta não, nojento?   - desdenhava a piraputanga - Larga essa corneta, malassombro! – pilheirava o pacu Até cascudo tirava uma casquinha do pobre Assuntei bem a lição. Eita bicho medonho O tal do bagre Pode estar entocado em seu isolamento Solitário e escarnecido Mas sobrevive a todo instante Desacata o tempo Desmente a lua E segue seus lamentos Sem saber que cá do barco Eu embagrecia, todo vaidoso Enquanto as águas, como espelhos Refletiam minha vida Escorrendo rio abaixo.