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INSATISFAÇÃO

     Ao longo de quase vinte semanas, o Programa Raul Gil, através do SBT, realizou uma parceria com a Bombril e a Sony Music, promovendo o projeto musical “Mulheres que brilham”, deixando meu sábado com sabores de curiosidade e desconfiança.
     Algumas intérpretes ousaram levar ao palco canções de artistas renomados da Música Popular Brasileira, tais como Chico Buarque, Tom Jobim, Edu Lobo, Djavan, Baden Powell, Pixinguinha, Ary Barroso, dentre outros do mesmo nível artístico, mas aos poucos foram sendo eliminadas pelos ilustres jurados: José Messias (crítico musical e escritor), Fran Fortunato (gerente de marketing nacional da Sony), Marcos Maynard (diretor musical), Luís Carlos Maluly (produtor musical) e Dhi Ribeiro (cantora), tendo como parâmetros os critérios de afinação, técnica vocal, domínio de palco e carisma, só não revelaram ao público que o mais importante seria saber sentir o cheiro da carniça a quilômetros de distância para alimentar as futilidades mercadológicas. Disso eu já sabia, mas resolvi vestir a capa de visionário e pagar o preço pela bizarrice. Dito e feito, as candidatas que investiram na sofisticação musical foram ficando na estrada, encobertas pela poeira da mediocridade.
       Na etapa final, dentre as seis cantoras, entre os escombros, duas sobreviventes soltaram a voz e à queima roupa afagaram meu coração sedento, fazendo ecoar as geniais canções “A história de Lily Braun” (Edu e Chico) e “Olhos nos olhos”, de Chico Buarque. Os vestígios sonoros da boa música ainda teimavam em querer mudar o inevitável, mas o final trágico foi anunciado, mostrando a cara pálida do povo brasileiro, revelando a vitória da dupla, Bruna e Keyla, que interpretaram uma canção insossa dos sertanejos, Chrystian e Ralf. A plateia, alvoroçada, aplaudiu a decisão. Diante dessa moléstia proliferante mais que salmonela em maionese estragada, lembrei-me da citação do multi-instrumentista, Hermeto Pascoal: “Na música, o que dá dinheiro é sempre a burrice. O câncer da alma chama-se dinheiro”. Voltei a pisar no solo da desilusão.
      Sou um homem surrado pela indignação, inconformado com os padrões culturais vigentes, mas já acostumei a encarar a solidão e viver em minha concha, ouvindo os acordes dissonantes do jazz, mesclados ao choro e à bossa. Nesse universo, não há quem o suje, ele permanece sempre intacto, repleto de pérolas que adornam meu descanso.    

Comentários

  1. Venho aqui, mais uma vez, porém sem timidez ou desconfiança, para alinhavar palavras, pontos e vírgulas num rabisco audacioso e travestido de análise crítica. Audacioso porque quero abraçar o mundo da “Insatisfação” e através de engenhoso “Chamarisco” tentar fazer alinhavos num “Papo de Cabeça”. Travestido porque a minha capacidade intelectual não tem foro privilegiado, e de crítico literário e não tenho nem mesmo a pretensão daqueles que a este título arvoram-se, pois sinto-me incapaz, impotente mesmo, para sondar as mais profundas elucubrações que brotam caudalosamente “pelas frestas da alma” do escritor e Poeta Beto.
    Sou tupiniquim da primeira ordem, apesar de desgarrado, e disso o poeta Beto pode ter a certeza. Como pois questionar ou por em dúvida o merecido arremate de que o Brasil é mesmo “um verdadeiro paraíso”? Apenas nos cabe o dever de curvar-se à realidade da asserção pelo muito que nos tem sido dado pela Providência, mas ao mesmo tempo é forçoso lembrar que “a quem muito se dá, muito será pedido”. E aqui o crítico literário de proveta ousaria indagar, se como nação nós não estaríamos em débito com a generosa dádiva contábil acumulada?
    É evidente que a questão deve ser vista estritamente sob um ponto de vista individual, pois é da soma das partes que se faz o todo, e partindo-se desse pressuposto, cada um poderá ser o juiz da sua própria sentença. Todavia, diante das muitas contradições e incongruências que tem assolado o nosso paraíso tupininquim, sob o ponto de vista político, social e comportamental em geral, é bom que reflitamos na nossa parcela de responsabilidade individual diante das benesses que nos são ofertadas, para que as mesmas não se transformem em traiçoeiro “Chamarisco” na direção do equívoco.
    É notório que a desarmonia não permeia entre as assertivas do poeta em suas razões e o pensar atónito e desajeitado do crítico postiço, nem mesmo na “Insatisfação”. Ocorre que da arte universal, a música é o galho que propicia a afinidade maior e os une com maior intensidade. Predileção maior aqui e ali, por este ou aquele gênero. Porém, seja através do Canto Gregoriano à Sinfonia, do Jazz ao Blues ou da MPB ao versejar intrigante de Patativa do Assaré, o protótipo do poeta popular, o ecletismo nesta área só serve para entramelar ainda mais esses dois malungos sonhadores e apaixonados.
    E como não ficar apoquentado, irritado e muito insatisfeito com a trágica decadência e degradação do gosto pela música de verdade na pátria de Castro Alves, Olavo Bilac, Mário de Andrade, se em menos de vinte anos ela foi invadida por esse lamaçal que se cognominou de “Sertanejo Universitário”, que não se presta à nossa juventude, a não ser para fazê-la “sentir o cheiro da carniça e alimentar as futilidades” de um mercado inescrupuloso e sem compromissos com a verdadeira arte e a cultura? Desnecessário é mencionar aqui também a invasão do lixo musical proveniente dos munturos estrangeiros, em absoluto despreso pelo muito que temos de bom e estimulante na direção de uma arte condizente com a Era Cósmica.
    Me solidarizo de mancheia com o escritor e poeta Beto em sua “Insatisfação”, que também é minha, porém ouso dizer-lhe que nem tudo está perdido, e podemos sim pensar num consolo. Como diz o axioma popular que “depois da tempestade vem a bonança”, imagino o nosso mundo velho em seu estágio bem avançado de agonia, e daí decorre todas essas profundas contradições. Todavia, estamos no raiar de uma nova era, a Era Cósmica ou a Era do Espírito, a qual vem paulatinamente se implantando em nosso Planeta. Nessa nova fase da humanidade terrestre por certo prevalecerá as nossas aspirações mais profundas na direção do belo, do harmonioso, do puro e do perfeito. Do primo e fã Tonheiro

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