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Mostrando postagens de 2012

DEDO DE DEUS

     É necessário estar preparado para encarar a guerra sonora que se alastra por todo território nacional, por isso, para conter os ataques fulminantes e avassaladores que são arremessados a esmo, sempre carrego armamentos suficientes (cds, pendrives e MP’s), blindando minha audição com o jazz, a bossa e o choro, mas nessa última tarde fui saqueado pelo esquecimento e por uma chuva torrencial que caía sem piedade, enquanto aguardava minha esposa voltar da loja de sapatos.       Estava atônito, fragilizado, despido no truculento campo de batalha, apenas com a companhia de um rádio famigerado. Tenho um medo terrível desse meio de comunicação. Das experiências vivenciadas, apenas duas exceções auditivas me encorajaram a ouvi-lo: nas madrugadas de Campo Grande, quando a UCDB mantinha os pés fincados no solo da MPB e ainda não havia se prostituído com outros gêneros bizarros e nos próprios programas que produzi e apresentei, logo que cheguei a Rondônia. Durante quatro anos, entre às

CHAMARISCO

     É notório que o Brasil não está economicamente entre as grandes potências mundiais, mas atualmente tem vivido o paradoxo de estar entre os países subdesenvolvidos que mais tem atraído o movimento imigratório e tudo isso demonstra que a crise mundial já escorou seus braços na porta do desenvolvimento e que para outras nações, ainda mais frágeis, esse recanto tupiniquim é um verdadeiro paraíso.   Além dos irmãos sul-americanos: paraguaios, uruguaios, bolivianos e argentinos, os haitianos também estão se aventurando nesta jornada, em busca de condições melhores para adquirir a sobrevivência, vez que a escassez tem se alastrado em seus territórios. Outro atrativo é a convivência pacífica entre os brasileiros, possuidores de hospitalidade, generosidade e espírito de mansidão, capaz de aceitar as inúmeras afrontas do governo, com suas corrupções desenfreadas e permanecer com o sorriso amarelo estampado no rosto calejado pelo sofrimento e ainda festejar o carnaval até o nascer da

PAPO CABEÇA

     Ontem resolvi organizar meu acervo musical. Do lado esquerdo, um armário recheado de obras jazzísticas, todos trancafiados, catalogados e subdivididos por instrumentos.      Entre os trompetistas: Dizzy Gillespie, Chet Baker, Miles Davis, Wynton Marsalis, Arturo Sandoval, Claudio Roditi, Lee Morgan e muitos outros; no compartimento dos saxofonistas, destacam-se, Charlie Parker, John Coltrane, Michael Brecker, Victor Assis Brasil, Paquito D’rivera, Joe Lovano, Sonny Rollins e uma outra leva de grandes músicos; dentre os guitarristas, Django Reinhardt, Wes Montgomery, Joe Pass, Barney Kessel, Kenny Burrell, Pat Martino, Pat Metheny, Mike Stern, Toninho Horta, Ricardo Silveira, Hélio Delmiro, Lee Ritenour e tantos mais que arrombavam minhas retinas; na área dos baixistas, dando o ar de sua graça, Charles Mingus, Jaco Pastorius, Richard Bona, Gary Willis, Stanley Clarke, Ney Conceição, Arthur Maia etc; empunhando as baquetas, Buddy Rich, Max Roach, Art Blakey, Dennis Chambers

DOCE MADRUGADA

    Enquanto a cidade, adormecida há muito tempo, arrastava seu sono morrinhento, meu espírito inquieto buscava a companhia dos acordes dissonantes para fazer uma viagem, sem sair da cama, rompendo madrugada adentro.        Por algumas horas vislumbrei o Rio de Janeiro, nas canções de Tom, Chico e Ivan; fervi sem sombrinha no frevo de Edu; os pés, salpicados de suor, roçaram a apoteose do samba, ao som de Leny, Djavan e Paulinho; os quadris cediam ao remelexo dos baiões e xotes que saiam da sanfona de Sivuca; o violão de Dori, soava manso, mesclado à voz de Nana; Joyce e Donato temperavam com salsa e bossa; as notas tronchas do jazz esticavam ainda mais a vontade de permanecer ali, refugiado nos aposentos da música.     Sou notívago por natureza. Desde a mais tenra idade já flertava com a noite. Era exatamente nesse horário que meu corpo, tomado por uma energia produtiva, lecionava, lia, escrevia, assistia aos inúmeros filmes, biritava, petiscava e percorria os bares da cidade mor

INSATISFAÇÃO

     Ao longo de quase vinte semanas, o Programa Raul Gil, através do SBT, realizou uma parceria com a Bombril e a Sony Music, promovendo o projeto musical “Mulheres que brilham”, deixando meu sábado com sabores de curiosidade e desconfiança.      Algumas intérpretes ousaram levar ao palco canções de artistas renomados da Música Popular Brasileira, tais como Chico Buarque, Tom Jobim, Edu Lobo, Djavan, Baden Powell, Pixinguinha, Ary Barroso, dentre outros do mesmo nível artístico, mas aos poucos foram sendo eliminadas pelos ilustres jurados: José Messias (crítico musical e escritor), Fran Fortunato ( gerente de marketing nacional da Sony), Marcos Maynard (diretor musical), Luís Carlos Maluly (produtor musical) e Dhi Ribeiro (cantora), tendo como parâmetros os critérios de afinação, técnica vocal, domínio de palco e carisma, só não revelaram ao público que o mais importante seria saber sentir o cheiro da carniça a quilômetros de distância para alimentar as futilidades mercadológicas.

MORFOLOGIA NORDESTINA

     Na hora do almoço, entre garfadas na merluza, sapecou à queima roupa os termos da morfologia:      - Tíbia e fíbula são ossos da parte inferior da perna. Frontal, pariental, temporal e occipital formam a cabeça. O Etmoide é frágil em suas protuberâncias, é o osso do nariz.      - Sabia que há 24 ossos na costela e que a coluna é formada por 33? Continuou minha esposa, empolgada com o curso de Farmácia.      - O ilíaco une três ossos: ílio, ísquio e pube. Eles formam a bacia. Cinco formam o cóccix. A face superior se articula com a inferior da L5 na coluna vertebral.      - Vixi! só conhecia a L 200 (pensei baixinho).      Revirei o peixe na boca.      A aula continuou:      - A vértebra cervical atlas é a primeira da coluna, ela sustenta o pescoço e proporciona o movimento de rotação, além de ser a única que se articula com o occipital do crânio.      - Na cóclea há um líquido que vibra, aí a mensagem reverbera no encéfalo, traduzindo o efeito sonoro. Legal demai

NO ENCALÇO

Que diacho é esse tal de cunho vernáculo? Rebolou o dicionário no mato Aprumou o passo: Bandeira, zumba, pirituba Cróis, chulipa, rabo de couro Inventividades só minhas Troco por outro nem com açúcar. Suas toscas palavras empoemam Nunca precisou de diploma Para encontrá-las soltas na boca. A poesia esteve sempre ali Rude, intacta, pronta Besta quem a procura Em outro canto. Nesse chão adormecido Não há literato Padre, juiz ou político renomado Que encubram seu rastro. Agostinho é poeta nato Só não atina que nesse atalho Sigo seu compasso Admirado.

MOAGE

Palavra que adoça a boca Destila meu sorriso Torpor de espírito Tatuagem que ninguém vê Marcada por dentro Encharcada no prazer No rebojo da saudade. Enrolada nos beijus Mergulhada na moqueca Ensopada no guisado Na farinha ou no jabá No remelexo do baião De dois em dois Sempre enche meu papo. Empotocada, empilheirada Debruçada no pé de manga Ancorada no leito do rio Empoeirada nas alpercatas Esbanjando sua elegância Vejo sua cara avermelhada Cheia de graça. Despi o Aurélio todo E nada de encontrar Algo mais precioso que seu nome Presença bendita Herança divina Sopro de vida que acaricia a alma Moage abençoada!

ENCARVALHADO

Sou riso frouxo na noite infinda enlaçado no descompasso com o eito na vida em prumo. O ócio me bolina todo encena minhas verdades revela o contentamento de andar pelo vento, solto sem rumo. Escanchado na garupa, apenas poemas empoeirados acordes robustos de jazz. Álbum de retratos repleto de pilhérias sonhos que ainda trago hermeticamente enclausurados preso aos meus pés. O resto é todo enfado rotina acortinada de mofo roupa tosca embolorada. Coarando no balaústre caiado troncho no chão mole onde não ouso repousar meu pranto minha toada. Não me encontram em qualquer canto não me encaram em qualquer beco difícil desvendar meu rastro obtuso e esguio. Sigo envelhecido poitado na chuva, apurando de costas para a mediocridade do mundo encarvalhado em meu tonel que boia manso na curva de um rio.